[su_dropcap]A[/su_dropcap]rtigo que acaba de ser publicado no Jornal Brasileiro de Economia da Saúde revelou que há “limitações metodológicas relevantes” e grande variação na qualidade da maioria dos estudos de custo-efetividade realizados para medicamentos contra o câncer, recomendados para incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). O fato de os problemas serem apontados em relatórios que recomendaram a incorporação lança uma série de dúvidas sobre o mérito das decisões.
Observe que não se trata de dizer que a não-recomendação (indevida) teria prejudicado os pacientes; mas pode-se até especular que a sua recomendação os tenha favorecido de modo indevido vis-a-vis as práticas recomendadas no campo das avaliações desta natureza.
Estamos apurando melhor o caso. É o tipo de situação que os pacientes que reivindicam muita transparência nestes processos terão que considerar. A transparência total pode muitas vezes lhes prejudicar, ao revelar impropriedades outras na tomada de decisão. E não necessariamente favorecer. Ossos do ofício da democracia.
O estudo, de autoria da doutoranda Tatiane Bonfim Ribeiro (USP) e cols., buscou realizar uma análise descritiva e avaliar a qualidade metodológica das análises de custo-efetividade (ACE) dos medicamentos para tratamento de câncer recomendados para incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).
Verificou-se que, no período entre janeiro/2012 a junho/2019, 10 indicações diferentes, de oito medicamentos destinados a esta patologia, foram recomendadas pela Conitec. Entre estas, apenas cinco (50%) dispunham de estudos de avaliação econômica.
De fato, o artigo 18 do decreto que dispõe sobre a Conitec e o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo SUS diz que devem ser consideradas:
I – as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;
II – a AVALIAÇÃO ECONOMICA comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível; e
III – o impacto da incorporação da tecnologia no SUS.
Os domínios com pior avaliação se relacionavam à medida apropriada do desfecho e custos, discussões sobre ética, conflito de interesse e generalização dos dados. O estudo empregou a ferramenta Consensus on Health Economic Criteria (CHEC) para avaliação de qualidade metodológica.
A CONITEC delega à Rede Brasileira de Avaliação em Tecnologia em Saúde (Rebrats) a elaboração de suas pesquisas e relatórios. Integram a Rebrats 24 Núcleos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATs) a quem efetivamente cabem as análises demandadas pela CONITEC.
De acordo com o art. 1° de seu regimento interno (Portaria Nº 2.915, de 12 de dezembro de 2011), a Rebrats tem por finalidade “proceder à geração e à síntese e disseminação de evidências científicas no campo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Brasil e no âmbito internacional”. Tais estudos serão levados a cabo “nas fases de incorporação, monitoramento e exclusão de tecnologias no âmbito do SUS” (art. 2º).
Para que haja alguma uniformidade nos processos da Conitec, a Rebrats possui manuais de diretrizes metodológicas, que disciplinam tanto a coleta de evidências e elaboração de relatórios, como a avaliação econômica das tecnologias em saúde.
A literatura acadêmica já havia apontado a inobservância de tais diretrizes em muitos casos. O artigo ora em destaque confirma este achado, o que poderia colocar em xeque a qualidade da discricionariedade técnica empregada por aquela Comissão em seus processos de tomada de decisão.
Estudiosos no campo do Direito informam que o Poder Judiciário, se provocado, recomendavelmente através de ações coletivas, pode exercer papel relevante no controle destes processos administrativos conduzidos pela Conitec, visando fazê-los observar aspectos incontestáveis de equidade envolvendo seus procedimentos.
Trata-se de estratégia ainda pouco explorada por aqueles que eventualmente se sintam lesados em suas reivindicações relativas a seu inequívoco direito constitucional à saúde.
É do interesse da sociedade o aprimoramento dos processos de avaliação de tecnologias pela Conitec, inclusive com eventual auxílio do Poder Judiciário. A meu ver, os poucos anos de existência da Conitec não podem servir de desculpa em eventuais equívocos em suas decisões. Pela simples razão de que, em se tratando de enfermidades graves como doenças raras e câncer, vidas estão em jogo em boa parte dos casos.
Espera-se que suas decisões ao menos sejam justas e fundadas nas melhores práticas e no estado-da-arte sobre deliberações envolvendo casos especiais, como doenças raras e cânceres raros, por exemplo. Erros por ação ou omissão nestes casos poderão se revelar fatais.
Por outro lado, se não forem observadas adequadas avaliações econômicas, que também contemplem especificidades metodológicas no exame desta ou daquela classe de patologias (doenças raras ou cânceres raros), corre-se o risco de comprometer os escassos recursos em saúde para além do recomendável em se tratando da higidez desejável de sistemas públicos em saúde. Haveria que se investigar se tais omissões ou erros ou impropriedades relatadas no estudo redundaram em benefícios e/ou prejuízos indevidos para os pacientes e/ou para o SUS, ou para quem. Mas este é papo eventualmente para outros posts.
Reproduzimos abaixo trecho da conclusão do referido estudo:
A incorporação de novas tecnologias no SUS tem grande impacto no sistema de saúde, e a avaliação econômica completa é uma importante ferramenta para a recomendação de tecnologias eficientes que promovam a melhoria da sobrevida e da qualidade de vida dos indivíduos, associado à manutenção da integridade do sistema. (…) Não há uma padronização na forma de avaliação e submissão dos estudos de custo-efetividade que compõem o dossiê de ATS, dessa forma, sugere-se que um padrão seja adotado pela Conitec para avaliar as demandas de estudos de Avaliações Econômicas em Saúde.