Cláudio Cordovil

Congresso Nacional inunda a saúde com projetos, mas falha em produzir mudanças estruturais

Em 2024, o Congresso Nacional produziu 2.568 proposições legislativas ligadas à saúde, mas o volume não se converteu em impacto real. Dados do Radar Político da Saúde 2024, elaborado pelo IEPS, revelam que 37% dos projetos analisados duplicam normas já existentes ou entram em conflito com políticas públicas vigentes. Comissões sobrecarregadas, bancadas fragmentadas e pressões de lobbies completam um quadro de produção intensa, porém pouco estratégica.

Com temas que vão de planos de saúde a tecnologias digitais e saúde mental, a produção legislativa expõe uma contradição: enquanto setores privados impõem suas agendas, pautas estruturantes como financiamento do SUS e integração de políticas públicas seguem travadas. A análise detalha o retrato de um Congresso ativo no papel, mas pouco eficaz na prática.

Apesar do volume histórico de proposições, a atuação do Congresso Nacional na saúde em 2024 revela uma desconexão sistêmica entre o Legislativo, o Executivo e a realidade operacional do SUS. O levantamento do IEPS expõe um cenário onde a quantidade substitui a qualidade: há excesso de propostas simbólicas, sobreposição de normas e baixa aderência a evidências científicas. Enquanto setores privados moldam parte da agenda por meio de lobby, questões estruturais — como financiamento, incorporação racional de tecnologias e integração das políticas públicas — seguem sem solução. A consequência é um marco legal inflado, com alto risco de engessamento da gestão pública e insegurança jurídica.

Volume legislativo: excesso sem direção

Segundo o Radar, foram analisadas 2.568 proposições no Congresso em 2024, sendo 595 diretamente ligadas à saúde. O número, por si só, impressiona, mas a qualidade preocupa: 37% dos projetos entram em conflito ou duplicam normas existentes.

Destes, 26% contrapõem políticas vigentes e 11% sobrepõem regulações. A consequência é um arcabouço normativo inchado, fragmentado e pouco funcional.

Os impactos vão além da burocracia: ao transformar resoluções e portarias em lei, o Congresso engessa políticas públicas que precisam ser dinâmicas. Em áreas como tecnologia médica e protocolos clínicos, a legislação defasada atrasa a incorporação de novas evidências e inviabiliza atualizações rápidas.

Os 16 temas que dominam a agenda

O IEPS classificou as proposições em 16 categorias temáticas. Os destaques:

  • Organização e Financiamento do SUS — epicentro das disputas, mas com avanços limitados.
  • Tecnologia e Inovação em Saúde — cresce a pressão por incorporação de terapias avançadas.
  • Saúde Digital — telemedicina, interoperabilidade de dados e prontuários eletrônicos.
  • Saúde Mental — foco crescente pós-pandemia, mas com sobreposição normativa.
  • Saúde Suplementar — planos de saúde e reajustes foram pontos de tensão.
  • Vigilância em Saúde — atualização de marcos de prevenção e controle.
  • Direito do Paciente e da PCD — expansão de proteções individuais.

A variedade temática evidencia um Congresso hiperativo, mas também fragmentado, sem coordenação com prioridades estratégicas do Ministério da Saúde.

Políticas públicas e a desconexão com o SUS

A análise qualitativa mostra que muitas propostas são aprovadas sem considerar o funcionamento real do SUS. Diversos projetos impõem obrigações diretas ao sistema, sem pactuação técnica com estados e municípios.

Exemplo: proposições que determinam a incorporação obrigatória de tecnologias ignoram o papel da Conitec e seus critérios de custo-efetividade. Resultado: risco de inviabilizar o orçamento do SUS e aumentar a judicialização da saúde.

Lobby e captura da agenda legislativa

O Radar IEPS aponta a influência crescente de grupos organizados. O PL 1023/2024, do deputado Marcelo Queiroz (PP-RJ), que obriga a ANS a fixar limites para reajustes de planos individuais, expôs a força do lobby privado. Operadoras atuam para barrar a proposta, que, mesmo com regime de urgência, segue travada.

Outro exemplo é o PL 2719/2024, do deputado Augusto Puppio (MDB-AP), que cria a Carteira Nacional da Pessoa com Epilepsia. Embora simbólica, a proposta mostra como demandas setoriais específicas encontram espaço, mesmo quando não se conectam com uma estratégia nacional.

Protagonismos, bancadas e fragmentação

Entre os deputados mais produtivos, destacam-se:

  • Amom Mandel (Cidadania-AM), com 116 proposições, embora muitas de baixo impacto técnico.
  • Marcelo Queiroz (PP-RJ), central na pauta de saúde suplementar.
  • Augusto Puppio (MDB-AP), com foco em direitos individuais.

Porém, quantidade não significa relevância. A ausência de coordenação entre Câmara, Senado e Executivo gera legislação redundante e desconectada.

Além disso, bancadas setoriais — evangélica, ruralista, empresarial — competem por visibilidade. A agenda da saúde vira palco para disputas políticas, dificultando a formulação de marcos consistentes.

O desafio da evidência científica

Menos de 30% das proposições apresentadas possuem justificativas técnicas robustas. Projetos complexos, como terapias gênicas e regulação sanitária, chegam às comissões sem pareceres científicos ou análises de custo. O Congresso legisla sobre temas de alta complexidade sem base em evidências, aumentando o risco de normas inviáveis e desarticuladas.

O futuro da agenda legislativa

Se a tendência atual persistir, o Congresso continuará a produzir volume, mas não transformação. Temas estratégicos para 2025 incluem:

  • Regulação de planos de saúde.
  • Incorporação de terapias avançadas com impacto orçamentário.
  • Revisão do financiamento do SUS.
  • Avanços em saúde digital e interoperabilidade de dados.

Mas, sem integração entre Legislativo, Executivo e evidências científicas, a fragmentação seguirá paralisando mudanças estruturais.


Fonte: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Radar Político da Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024. Brasília: IEPS, 2025. A íntegra do relatório está disponível em http://www.agendamaissus.org.br/


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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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