Cláudio Cordovil

Terapias para Atrofia Muscular Espinhal: o que dizem as evidências?

Com custos milionários e promessas de melhora funcional, tratamentos como Zolgensma, Spinraza e Evrysdi colocam sistemas públicos de saúde diante de dilemas éticos, econômicos e clínicos.

🧬 Zolgensma oferece tratamento único e eficaz: Dose única com alta eficácia em AME tipo 1, especialmente em pacientes presintomáticos.

💰 Custo milionário, mas custo-efetivo: Mesmo custando US$ 2,1 milhões, Zolgensma se mostrou mais custo-efetivo que terapias crônicas.

💉 Spinraza tem eficácia menor e alto custo acumulado: Reaplicações contínuas por via intratecal com benefício modesto e custo crescente.

💊 Evrysdi é oral e mais prático, mas com evidência moderada: Boa adesão, menor impacto clínico, e custo-benefício só viável com renegociação.

⚠️ Zolgensma exige monitoramento rigoroso: Casos graves de hepatotoxicidade e dois óbitos levaram a alerta de segurança nos EUA.

📉 Spinraza e Evrysdi não são custo-efetivos por padrão: Apenas em cenários restritos ou com preços reduzidos se justificam em saúde pública.

🇧🇷 SUS incorporou Zolgensma e Spinraza sob pressão judicial: ICER recomenda Zolgensma como primeira escolha, com protocolos claros.

🧭 Decisões precisam ir além da comoção: Evidência científica, sustentabilidade e justiça distributiva devem guiar políticas públicas.

O Instituto de Revisão Clínica e Econômica (ICER) dos EUA divulgou ontem (17/7) a versão revisada de seu relatório de evidência (Evidence Report) avaliando a eficácia clínica comparativa de nusinersen (Spinraza®, Biogen), onasemnogene abeparvovec-xioi (Zolgensma®, Novartis) e risdiplam (Evrysdi®, Genentech) para atrofia muscular espinhal (AME).

Em um cenário onde a inovação farmacêutica avança mais rápido que os orçamentos públicos, a atrofia muscular espinhal (AME) se tornou um dos maiores desafios para políticas de incorporação de tecnologias em saúde. As terapias disponíveis — Zolgensma, Spinraza e Evrysdi — prometem mudar o curso natural de uma das doenças genéticas mais letais da infância. Mas a que custo? E com que grau de certeza?

O novo relatório do ICER, referência internacional em avaliação de tecnologias em saúde, traz respostas diretas: embora os benefícios clínicos sejam relevantes, sobretudo para crianças com AME tipo 1, o grau de evidência varia entre as terapias, e a relação custo-benefício exige decisões estratégicas — especialmente em sistemas públicos como o SUS.

O relatório de evidências revisado do ICER sobre terapias para AME será analisado publicamente em uma reunião virtual do comitê independente Midwest CEPAC no dia 1º de agosto de 2025. Esta versão revisada, objeto deste post, incorpora alterações feitas após um período de quatro semanas de consulta pública, que contou com contribuições de associações de pacientes, profissionais de saúde, fabricantes e outros interessados. O próximo passo é a deliberação do CEPAC, composto por especialistas em evidências médicas, clínicos, metodologistas e representantes do engajamento de pacientes.

Espera-se que, após a reunião do CEPAC, haja uma votação formal do comitê sobre a magnitude dos benefícios clínicos; grau de certeza da evidência e relação custo-benefício das terapias avaliadas. Depois disso, acontece uma discussão de recomendações políticas, baseadas nas votações, para gestores públicos e privados de saúde; formuladores de políticas e fabricantes. Daí então, uma a duas semanas após a reunião do CEPAC, acontece a publicação de um “Final Evidence Report” com “Policy Recommendations”. Este documento orienta negociações de preço, cobertura e incorporação em sistemas de saúde.

Zolgensma: dose única, impacto duradouro

Administrado por via intravenosa em dose única, o Zolgensma é uma terapia gênica que entrega uma cópia funcional do gene SMN1. Em crianças com diagnóstico precoce (tipo 1), demonstrou melhora substancial na sobrevida sem ventilação, além de ganhos motores significativos. Em pacientes presintomáticos, os efeitos são ainda mais impressionantes: muitas crianças tratadas antes dos sintomas desenvolveram funções motoras próximas do normal.

Do ponto de vista da efetividade clínica, é a terapia com maior grau de confiança. Segundo o relatório, a evidência para Zolgensma em AME tipo 1 foi classificada como de alta qualidade (GRADE) — padrão-ouro para decisões clínicas informadas por evidência.

O custo? Estimado em US$ 2,1 milhões. Ainda assim, o modelo de avaliação do ICER mostra que o Zolgensma é mais custo-efetivo do que os tratamentos crônicos convencionais, devido à administração única e aos ganhos sustentados de sobrevida e função.

Spinraza: o peso do tratamento contínuo

Primeira terapia aprovada para AME, o Spinraza (nusinersena) é um oligonucleotídeo antissense administrado por via intratecal. Após uma fase inicial de quatro doses de carga, exige reaplicações a cada quatro meses por toda a vida. Os resultados em AME tipo 1 são favoráveis, embora menos impactantes que os de Zolgensma. Já nos tipos 2 e 3, os benefícios se limitam a uma estabilização funcional modesta, sem reversão significativa da progressão.

O custo do primeiro ano ultrapassa US$ 750 mil, e os anos subsequentes mantêm uma média de US$ 375 mil . O ICER conclui que, na maior parte dos cenários, Spinraza não é custo-efetiva quando comparada a Zolgensma, tanto por sua eficácia inferior quanto pelo custo acumulado a longo prazo.

Evrysdi: o promissor comprimido diário

Evrysdi (risdiplam) é um modulador de splicing administrado por via oral de forma contínua, o que representa um avanço em termos de conveniência e adesão. O perfil de segurança é considerado favorável, e os dados disponíveis — principalmente em AME tipo 2 e 3 — indicam eficácia funcional semelhante à do Spinraza, embora com menor robustez metodológica.

O custo anual gira em torno de US$ 340 mil. O ICER atribui confiança moderada à evidência clínica do Evrysdi e conclui que, embora não seja custo-efetivo nos padrões tradicionais, pode apresentar melhor relação custo-benefício que o Spinraza em determinados subgrupos. Em pacientes com contraindicação à terapia gênica, ou para uso ambulatorial de longo prazo, é uma opção a considerar — desde que o preço seja renegociado.

Riscos e vigilância pós-comercialização

Nenhuma das três terapias é isenta de riscos. O Zolgensma, por exemplo, foi associado a hepatotoxicidade, trombocitopenia e necessidade de imunossupressão com corticosteroides. Dois óbitos foram registrados nos EUA após seu uso, levando a FDA a exigir a inclusão de um alerta de “caixa preta” sobre risco de lesão hepática aguda.

Já o Spinraza está associado a efeitos adversos relacionados ao procedimento de punção lombar, como cefaleia e dor nas costas. O Evrysdi apresentou eventos adversos leves a moderados, exigindo monitoramento para possíveis alterações hematológicas e oculares.

E no Brasil?

O SUS já incorporou a Spinraza e, mais recentemente, o Zolgensma — mediante judicializações e pressões políticas. Os custos bilionários dessas terapias geram dilemas éticos e econômicos: como garantir acesso equitativo a medicamentos inovadores sem comprometer a sustentabilidade do sistema?

O relatório do ICER reforça que o Zolgensma deve ser a primeira escolha para pacientes com AME tipo 1 e casos presintomáticos, desde que com critérios rigorosos de elegibilidade e acompanhamento de resultados. Já Spinraza e Evrysdi devem ser avaliados com cautela, preferencialmente após renegociação de preços e com foco em pacientes específicos.

O que está em jogo

A incorporação de terapias ultracaras não pode se basear apenas na comoção provocada por doenças raras. O rigor técnico — como o promovido pelo ICER — precisa pautar as decisões públicas. Cada real mal alocado em medicamentos de eficácia incerta é um real que deixa de chegar a milhares de outros pacientes.

Zolgensma, Spinraza e Evrysdi representam avanços reais. Mas é preciso combinar essa esperança com responsabilidade, planejamento e transparência. A boa ciência e a boa gestão pública exigem isso.


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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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