SÃO PAULO
O ACR (Acordo de Compartilhamento de Riscos) virou uma aposta para custear medicações e tratamentos de alto valor, inclusive no SUS, mas sua expansão esbarra em poucos acordos públicos, enquanto o formato tem avançado no sistema privado.
Nesse modelo, a droga ou terapia é disponibilizada, e o pagamento ao fornecedor só ocorre se houver melhora do quadro do paciente. O acordo vale apenas para medicamentos aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Há dois tipos de ACR, por desempenho e por volume. No primeiro caso, mais comum no Brasil, o medicamento é disponibilizado por tempo limitado enquanto se monitora o efeito dele nos pacientes. No segundo, o remédio é ofertado em quantidade limitada e, caso haja maior demanda, a fabricante fornece as doses adicionais sem custo.
Ambos pretendem mitigar incertezas sobre a disponibilização de medicamentos no sistema de saúde.
No caso do acordo com base em volume, há dúvidas sobre o número de pacientes que serão tratados. No Brasil, há uma dificuldade na obtenção de dados epidemiológicos em escala nacional.
Por isso, ao incorporar um medicamento, o Ministério da Saúde ou os hospitais podem não saber exatamente quantas pessoas são elegíveis ao tratamento, o que gera uma pressão orçamentária sobre o sistema.
Já o modelo de acordo de desempenho pode ser aplicado, por exemplo, no caso de inovações recém-lançadas no mercado, sobre as quais há incertezas sobre seus efeitos a longo prazo.
Apesar de úteis, ainda há entraves para o uso mais amplo desses acordos no país.
Estudos apontam que um aspecto fundamental para o ACR é a preparação dos centros médicos e dos profissionais de saúde para o monitoramento dos desfechos clínicos, o que exige qualificação por parte do governo.
As primeiras tentativas de implementar um acordo do tipo no país vieram do poder público. A mais recente é de 2022, quando foi anunciada a incorporação ao SUS do medicamento mais caro do mundo, o Zolgensma, para atrofia muscular espinhal tipo 1. O custo para os cofres públicos seria de R$ 5,7 milhões por paciente.
No acordo com a fabricante, a Novartis, o pagamento seria feito em cinco parcelas anuais de 20% do valor, condicionado à melhora de saúde do paciente.
Cabe ao Ministério da Saúde adquirir o medicamento de forma centralizada e distribuir aos estados e municípios. O prazo de 180 dias para disponibilização da terapia expirou em junho deste ano.
Em nota, a Novartis afirmou que os processos de aquisição estavam atrasados e que os termos do ACR ainda estavam em discussão com o governo. Já a Saúde disse que o processo está em andamento.
Segundo Renato Eliseu Costa, professor da especialização em administração pública e gestão governamental da USP (Universidade de São Paulo), a falta de regulamentação específica para os acordos vem impedindo a adoção do modelo na prática pelo poder público.
Costa aponta ainda uma maior facilidade da iniciativa privada na adoção do modelo, pois não há impeditivos legais para essas negociações entre indústria e clientes particulares.
Para a Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), a dificuldade para o setor suplementar está na fragmentação do sistema entre diversos prestadores e operadoras. Outro ponto central é o compartilhamento de dados e a capacidade de mensuração dos riscos em todas as perspectivas do cuidado com o paciente.
O Hospital A.C Camargo, em São Paulo, tem dois ACRs com a farmacêutica Roche em vigência, segundo Helano Carioca Freitas, vice-líder do Centro de Referência de Tumores de Pulmão e Tórax.
Um para a droga atezolizumabe, para carcinoma de pulmão metastático, e outro para a associação desse mesmo medicamento com o bevacizumabe, para tratamento de hepatocarcinoma.
Freitas afirma que novas conversas com a indústria estão em andamento e que o principal benefício da implementação do formato pelo hospital foi romper a barreira que impedia a criação de novos modelos de remuneração.
Apesar dos desafios de alinhar os termos entre hospital, farmacêutica e operadoras de saúde, o médico acredita que os acordos são benéficos ao sistema privado, pois quando o paciente não se beneficia do tratamento, e a Roche reembolsa parte do custo da medicação, a operadora não é onerada.
“Quanto mais programas de compartilhamento de risco houver, mais recursos deixarão de ser gastos desnecessariamente, o que torna o sistema de saúde mais sustentável no longo prazo. Além disso, permite mais acesso às novas terapias de alto custo disponíveis e por vir. O maior desafio é tornar esses programas mais amplos e disseminados por todo o país.
Fonte: Folha de S. Paulo