Cláudio Cordovil

A Justiça enxerga mal: saiba por quê!

Gostaria de partilhar com vocês uma vivência que tive no VII Congresso Iberoamericano de Direito Sanitario, realizado no mês passado em São Paulo, e onde atuei como palestrante. Na platéia e no palco, altos representantes do Judiciário e operadores do Direito.

A primeira coisa que ficou patente ali é que os juizes e procuradores acreditam piamente que a Medicina Baseada em Evidencias (MBE) é o padrão-ouro para deliberarem sobre incorporação de medicamentos ao SUS. Aqui neste blog já publicamos post mostrando que, para os doentes raros, esta verdade não se aplica.

Se você ou seu familiar tivesse uma doença comum, que acomete grande número de pessoas, isso para você seria perfeito! Mas infelizmente não é o seu caso! A Medicina Baseada em Evidências, que define todo o arcabouço da assistência farmacêutica no SUS, foi originalmente criada para uso em grandes contingentes de pessoas (falando assim em linguagem bem clara).

A literatura internacional é absolutamente unânime em afirmar que não se aplica MBE em doenças raras. Se adotada, não se incorpora nada (ou muito pouco) ao sistema de saúde, em se tratando de raras.

Pois bem. O que acontece com você nesse caso, ou seu familiar? Se os juizes usarem a MBE para decidir sobre medicamentos órfãos (os seus ou de seus familiares), na prática você terá seu pleito recusado. Se empregar outros critérios, ai sim o juiz talvez lhe conceda o direito.

O que me preocupou foi os juizes estarem “morrendo de amores” pela MBE. Para diabetes ela serve bem, para hipertensão também, para AVC também, mas não para raras. A CONITEC, ao que tudo indica, comete o mesmo erro metodológico: Usa MBE para doenças raras e doenças comuns, indistintamente.

Adivinhe por que a Conitec só incorporou depois de seis anos uns 10 medicamentos para raras, se tanto? Porque usa a metodologia não recomendada para deliberar sobre raras. Se faz diferente disso, eles precisam provar. Até onde podemos concluir com dados públicos, não possuem critério especifico para deliberar sobre raras.

Como Clarice Petramale, ex-conitec, é que ficou encarregada de orientar o Judiciario e o CNJ em processos de judicialização, vocês podem apostar que esta nuance que aqui estou divulgando não chega ao conhecimento dos juizes, magistrados e operadores do direito.

O governo lançou na terça feira (21/11) uma base de dados para auxiliar juizes na tomada de decisão sobre casos que lhes chegam. Esta base de dados muito provavelmente não alerta os juizes para esta particularidade que lhes revelo agora. Resultado: Muitas decisões futuras poderão lhes desfavorecer, se forem baseadas em EVIDÊNCIAS, COMO TUDO INDICA QUE SERÃO.  Com número pequeno de pacientes (caso das raras) é dificil ter evidencias do que quer que seja. Vocês precisam prestar atenção no Judiciário. Eles já foram ‘seduzidos’ pela ideia da MBE, que é um tiro no pé dos raros.

A outra questão que vi no congresso que mencionei foi que os juizes se perguntam por que os raros não movem ações coletivas? Na cultura juridica, ação individual para medicamentos não é bem vista. Duas coisas podem explicar as ações individuais a meu ver: 1) pacientes desunidos 2) dificuldade de relatar a historia natural da doença e os casos clinicos, por conta da variabilidade de situações. Comecem a pensar em ações coletivas, se quiserem fazer seu pleito comover o Judiciário com eficácia.

1 comentário em “A Justiça enxerga mal: saiba por quê!”

  1. Excelente post, que lança luz sobre problemas que atingem em cheio a vida de quem tem uma doença rara: a hegemonia da Medicina Baseada em Evidências, e a dificuldade de os adoecidos articularem decisões e políticas de consenso a seu favor.
    Quanto ao uso equivocado da MBE no caso das doenças raras nas políticas de saúde do país, os textos deste blog tem sido muito esclarecedores! E, embora concorde que a única saída possível, diante deste cenário, seja mesmo a união entre os adoecidos, vejo que isso ainda é um desafio, não por falta de meios disponíveis ou de vontade de “fazer acontecer”, mas por conta do pouco acesso e das dificuldades de compreensão das informações biomédicas e políticas, que engessam e atrapalham as iniciativas espontâneas.
    Neste cenário, acredito que seja preciso fomentar a educação e a autonomia dos adoecidos e de seus familiares, com iniciativas como a deste blog, sob pena de continuarmos padecendo com a falta de medicamentos, de tratamento adequado, e de respeito -que é bom, e todo mundo gosta.

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