Nota da redação
Sinto que adoeci com as emoções de que não falei. Minha garganta está doendo, mas não tem infecção. A cabeça arde e não há doença. Passei mais de uma semana elaborando um texto para o dia das mães. Queria falar da simbologia da maternidade na construção do gênero. Na dádiva da maternidade. Na realização em ter uma família e do incondicional amor materno. Então fiquei pensando em cada uma dessas concepções. Quanto mais pensava, menos conseguia.
Sabe, de fato maternidade é um lugar ilusório. Isso vale para qualquer mãe. Gerar filhos ainda é algo que valoriza o papel da mulher. Por conseguinte, ter filhos admiráveis, faz da mãe alguém admirável. E no lugar da mãe de filhos nem tão admiráveis, na visão da sociedade, cabe apenas a compaixão.
Na maternidade atípica, aquela com filhos deficientes, esse termo “atípico”, vem de fora do padrão, “atipicidades”. Sempre traz dores intransponíveis. Restando a única alternativa de acostumar-se a ela. Não que cessem as dificuldades, mas as mães usam a estratégia de viverem entorpecidas, de emoções armazenadas, já não se importam mais com aquilo que fere.
É nesse aspecto que digo que sinto dor e não tenho doença alguma. Porque não são visíveis. São da alma desiludida. A realidade dura se impõe antes mesmo de qualquer celebração. Sem falar da hipocrisia da sociedade. Que aplaude a mãe guerreira, mas não faz uma visita sequer. Há muita solidão na maternidade atípica.
Devo ressaltar a todo instante que não existem supermães. Que não há dom especial de que são dotadas algumas mulheres, em detrimento de outras. Que não há fenômenos sobrenaturais na maternidade. O que existe, sim, é a disposição de doar-se. E nesse quesito a mãe atípica é uma expert.
Traz a todo tempo o desejo de perpetuar-se a si, presente no filho e proteger esses filho, ferozmente. Sua energia toda é devotada à vida desse filho. Mesmo daquele filho, às vezes tão diferente do idealizado. A maternidade transcende a razão. E a mãe atípica é aquela que sempre fica; a eterna cuidadora. Aprende logo que é uma maternidade diferente. Onde é primordial reconhecer com humildade que tudo que foi ensinado, pode não valer de nada, que tudo a cada hora se transforma, de novo e de novo. São frequentes aprendizados.
A mãe atípica sobrevive de míseros apoios. As visitas são aquelas que só surgem quando dá. Fica bem difícil pensar em comemorações, com tanta ausência. Ausência da família, ausência dos maridos e pais, ausência das amigas, ausência de si. Do Estado, carece de tudo, BPC, previdência, SUS, escola inclusiva, medicações, tratamentos e suportes, incontáveis falhas.
E a tal sororidade feminina, nem sempre alcança as mães atípicas. Vejo, no dia-a-dia das mães, o enaltecimento do sacrifício materno. Sacrifício sobrenatural, diga-se.. A mãe atípica é a mãe que perdeu o filho idealizado e convive com a solidão e o medo. Mas ninguém quer falar sobre as dores. Se ela reclama, está sendo injusta com Deus ou manipulando afeições.
Mas, eu te digo, amiga mãe atípica. Que você é mais do que merecedora dos louros da maternidade. Porque traz os pés ficados no chão. Muitas vezes vive exclusivamente com o hoje. E em outras, se realiza com um sorriso. Desejo nesse dia a você mãe atípica que possa se realizar no que tem alcançado, sei que as duras penas, naquilo que te faz mãe.
Que cada mãe possa ser só suficientemente boa! E que aqueles que te rodeiam não esperem nada mais do que o seu suficiente. Vocês já fazem o sobrenatural e inatingível. Não se culpem demais, já têm fardos pesados. Permitam-se ser o seu tão sonhado plano de maternidade. Não de ninguém, só o seu. Quando penso nesses dias das mães, em tempos de medos de contágio de vírus e isolamento, sinto que temos muito a celebrar. É viver o dia, a despeito dos medos, a presença viva do seu filho. Que isso baste.
Eu aqui vou agradecer meu lugar de filha e mãe. Porque é tudo o que tenho. Mesmo que não me saia da cabeça os olhares assustados das mães atípicas ao terem que se afastar de seus filhos nas internações. Ainda assim, parabéns, mães! Perdoem-me se não consegui dessa vez falar palavras bonitas. Adoeci! Minha alma materna queima. Vai lá mãe atípica. Abraça teu filho e comemora. Vamos alimentar a fé. Quem sabe no próximo ano possamos celebrar com mais paz o dia mães!
Queria presenciar abraços honestos a todas as mães!
Só isso.
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Adrianna Reis é mestre em bioética, psicóloga clínica e professora, especialista em saúde mental e autismo. Mãe de autista.
Lindas palavras. Como mãe atípica vc nos trouxe força, compreensão e humanidade.
Obrigado, Marinete! Feliz Dia das Mães!
Texto sincero e que retrata tudo que muitas mães atípicas ou não sentem .
Sentimentos colados com super bond em nossas entranhas e que seu texto descola e traz à tona.
lindo texto♥️ feliz dia das mães
linda!!
Muito bom o texto.
Necessário ainda mais nessa época de pandemia.
Excelente texto !!!. Nos revira , mães atípicas, pelo avesso e desnuda diante de nós uma solidão que conhecemos bem.
👏
Adrianna, muito obrigada por suas reflexões! Elas nos oportunizam perceber questões sutis para quem não tem uma maternidade atípica. Estou divulgando para as pessoas interessadas e principalmente para as mães com maternidade atípica!
Reflexão importante num cenário em que a maternidade é tão enaltecida. Palavras que acolhem e representam muitas mães.
Parabéns pelo texto! Mães atípicas, as que não são mães, tem um lugar diferenciado na sociedade, que vive uma falsa vida feliz!!!