Feliz Dia das Mães! Pra quê?

Nota da redação

São tempos atípicos. E no meio destes tempos atípicos, a mais previsível e amorosa data do calendário, o Dia das Mães, também, para muitas pessoas, será celebrada de modo atípico. Por conta disso, resolvemos trazer nesse dia especial a história de mães que vivem maternidades atípicas, destas que não costumam aparecer em propaganda de perfumes, mas que enchem as nossas vidas com o aroma do sublime, pelo exemplo que nos dão de resiliência. Duas histórias, duas maneiras de viver a maternidade, mas sempre belas. Qualquer maneira de amor vale a pena. Feliz Dia das Mães! A primeira segue abaixo.

Sinto que adoeci com as emoções de que não falei. Minha garganta está doendo, mas não tem infecção. A cabeça arde e não há doença. Passei mais de uma semana elaborando um texto para o dia das mães. Queria falar da simbologia da maternidade na construção do gênero. Na dádiva da maternidade. Na realização em ter uma família e do incondicional amor materno. Então fiquei pensando em cada uma dessas concepções. Quanto mais pensava, menos conseguia.

 Sabe, de fato maternidade é um lugar ilusório. Isso vale para qualquer mãe. Gerar filhos ainda é algo que valoriza o papel da mulher. Por conseguinte, ter filhos admiráveis, faz da mãe alguém admirável. E no lugar da mãe de filhos nem tão admiráveis, na visão da sociedade, cabe apenas a compaixão.

Na maternidade atípica, aquela com filhos deficientes, esse termo “atípico”, vem de fora do padrão, “atipicidades”. Sempre traz dores intransponíveis. Restando a única alternativa de acostumar-se a ela. Não que cessem as dificuldades, mas as mães usam a estratégia de viverem entorpecidas, de emoções armazenadas, já não se importam mais com aquilo que fere.

É nesse aspecto que digo que sinto dor e não tenho doença alguma. Porque não são visíveis. São da alma desiludida. A realidade dura se impõe antes mesmo de qualquer celebração. Sem falar da hipocrisia da sociedade. Que aplaude a mãe guerreira, mas não faz uma visita sequer. Há muita solidão na maternidade atípica.

Amanda Paschoal, com autismo, filha de Adrianna Reis.

Devo ressaltar a todo instante que não existem supermães. Que não há dom especial de que são dotadas algumas mulheres, em detrimento de outras. Que não há fenômenos sobrenaturais na maternidade. O que existe, sim, é a disposição de doar-se. E nesse quesito a mãe atípica é uma expert.  

Traz a todo tempo o desejo de perpetuar-se a si, presente no filho e proteger esses filho, ferozmente. Sua energia toda é devotada à vida desse filho. Mesmo daquele filho, às vezes tão diferente do idealizado. A maternidade transcende a razão. E a mãe atípica é aquela que sempre fica; a eterna cuidadora. Aprende logo que é uma maternidade diferente. Onde é primordial reconhecer com humildade que tudo que foi ensinado, pode não valer de nada, que tudo a cada hora se transforma, de novo e de novo. São frequentes aprendizados.

A mãe atípica sobrevive de míseros apoios. As visitas são aquelas que só surgem quando dá. Fica bem difícil pensar em comemorações, com tanta ausência. Ausência da família, ausência dos maridos e pais, ausência das amigas, ausência de si. Do Estado, carece de tudo, BPC, previdência, SUS, escola inclusiva, medicações, tratamentos e suportes, incontáveis falhas.

E a tal sororidade feminina, nem sempre alcança as mães atípicas. Vejo, no dia-a-dia das mães, o enaltecimento do sacrifício materno. Sacrifício sobrenatural, diga-se.. A mãe atípica é a mãe que perdeu o filho idealizado e convive com a solidão e o medo. Mas ninguém quer falar sobre as dores. Se ela reclama, está sendo injusta com Deus ou manipulando afeições.

Mas, eu te digo, amiga mãe atípica. Que você é mais do que merecedora dos louros da maternidade. Porque traz os pés ficados no chão. Muitas vezes vive exclusivamente com o hoje. E em outras, se realiza com um sorriso. Desejo nesse dia a você mãe atípica que possa se realizar no que tem alcançado, sei que as duras penas, naquilo que te faz mãe.

Que cada mãe possa ser só suficientemente boa! E que aqueles que te rodeiam não esperem nada mais do que o seu suficiente. Vocês já fazem o sobrenatural e inatingível. Não se culpem demais, já têm fardos pesados. Permitam-se ser o seu tão sonhado plano de maternidade. Não de ninguém, só o seu. Quando penso nesses dias das mães, em tempos de medos de contágio de vírus e isolamento, sinto que temos muito a celebrar. É viver o dia, a despeito dos medos, a presença viva do seu filho. Que isso baste.

Eu aqui vou agradecer meu lugar de filha e mãe. Porque é tudo o que tenho.  Mesmo que não me saia da cabeça os olhares assustados das mães atípicas ao terem que se afastar de seus filhos nas internações. Ainda assim, parabéns, mães! Perdoem-me se não consegui dessa vez falar palavras bonitas. Adoeci! Minha alma materna queima. Vai lá mãe atípica. Abraça teu filho e comemora. Vamos alimentar a fé. Quem sabe no próximo ano possamos celebrar com mais paz o dia mães!

Queria presenciar abraços honestos a todas as mães!

Só isso.


Adrianna Reis é mestre em bioética,  psicóloga clínica e  professora, especialista em saúde mental e autismo. Mãe de autista.

 

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Adrianna Reis Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

11 comentários em “Feliz Dia das Mães! Pra quê?”

  1. Texto sincero e que retrata tudo que muitas mães atípicas ou não sentem .
    Sentimentos colados com super bond em nossas entranhas e que seu texto descola e traz à tona.

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  2. Adrianna, muito obrigada por suas reflexões! Elas nos oportunizam perceber questões sutis para quem não tem uma maternidade atípica. Estou divulgando para as pessoas interessadas e principalmente para as mães com maternidade atípica!

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