Conheça a mãe que transformou adversidade em aventura

 

São tempos atípicos. E no meio destes tempos atípicos, a mais previsível e amorosa data do calendário, o Dia das Mães, também, para muitas pessoas, será celebrada de modo atípico. Por conta disso, resolvemos trazer nesse dia especial a história de mães que vivem maternidades atípicas, destas que não costumam aparecer em propaganda de perfumes, mas que enchem as nossas vidas com o aroma do sublime, pelo exemplo que nos dão de resiliência. Duas histórias, duas maneiras de viver a maternidade, mas sempre belas. Qualquer maneira de amor vale a pena. Feliz Dia das Mães!

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[su_dropcap style=”flat”]C[/su_dropcap]omo uma mãe recebe a notícia de que seu filho, ainda bebê, é portador de uma doença que pode tirar sua vida? Karolina Cordeiro não só recebeu, como assimilou e transformou o que seria uma adversidade em uma aventura, que vem dominando sua vida e de seu filho desde então.

Karolina Cordeiro mora em Uberlândia e é mãe de três filhos: Ana Júlia, de 13 anos (hoje com 15 anos), Pedro, de 11 (hoje com 13), e Giovanna, de 8 (hoje com 10). Quando tinha 26 anos, deu à luz ao menino. E foi o hoje pré-adolescente que mudou a vida da então geógrafa.

Pedro foi diagnosticado como portador da síndrome Aicardi Goutieres, uma doença raríssima, quando tinha 1 ano e 8 meses. Essa é uma encefalopatia não progressiva e genética. A literatura da doença ainda é pequena, pois não há tantos relatos da doença ainda — são pouco mais de 80 casos no mundo inteiro.

Os sintomas já apareciam desde os 8 meses: ele dormia muito, apresentava febre sem motivo, ficava irritado e tinha prisão de ventre. Ele passou por mais de mil exames até uma neurologista uberlandense pegar o caso de Pedro.

Quem é diagnosticado normalmente tem deficiência intelectual profunda e apresenta problemas neuromusculares, como rigidez muscular, enrijecimento involuntário de vários músculos e tônus muscular fraco.

E o prognóstico bateu forte em Karolina Cordeiro: no máximo, 2 anos de vida, e Pedro já tinha 1 ano e 8 meses. Ela foi à luta e descobriu um geneticista que estava pesquisando a doença na Inglaterra e conseguiu colocar o filho na estudo do médico.

Depois dos exames, descobriu-se que ele tem um tipo da doença que se desenvolve tardiamente, o que implicava uma estabilização da síndrome. Aos 2 anos, Pedro renasceu.

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Reprodução

Para Karolina Cordeiro, hoje, com 38 anos (agora com 40 anos), aquele foi um momento redefinidor. Pois ela arregaçou as mangas e tratou de viver: ela e seus filhos.

“Sou doula, sou empreendedora, sou corredora, sou geógrafa, sou escritora, sou dançarina.” Essa é a Karolina, que não se acomodou diante daquela notícia. Pegou o Pedro e fez com que a vida fosse mais do que um desafio. Hoje, é uma aventura e um aprendizado.

Ela leva seu filho a corridas — se você já viu imagens de uma mulher correndo com um carrinho à sua frente, com uma criança, então você já viu a Karolina e o Pedro.

Pedro frequenta uma escola regular e interage com seus colegas. Os dois dançam no projeto Angel Hair, criado por ela — o nome em português, Cabelo de Anjo, faz referência aos cachos de Pedro.

Ciente do problema da acessibilidade que atinge boa parte das cidades brasileiras, Karolina Cordeiro não deixou por menos: criou o movimento Eu Respeito as Vagas. E Você?, que flagra carros estacionados em vagas reservadas a portadores de mobilidade reduzida e idosos — quer mandar seu flagra? Envie a foto para projetoangelhair@gmail.com.

Karolina também é autora de “Pedroca, O Menino que Sabia Voar”, livro em que promove a inclusão e o respeito em meio às aventuras do personagem inspirado em seu filho. A obra vem sendo adotada por escolas de Uberlândia e região para debate em salas.

Para falar do filho e de tudo o que cerca a sua vida, Karolina Cordeiro conversou com o Boas Novas MG.

Boas Novas MG — Como está o Pedro hoje?

Karolina Cordeiro — Hoje, o Pedro é um garoto de 11 anos , que come e dorme bem, vai para a escola, se diverte em casa com as irmãs. Como ele possui uma síndrome genética muito rara, luta para evitar as deformidades decorrente da sua deficiência. Seu sorriso e seus olhar são sua marca registrada. Ele tem a magia e o mistério de conseguir viver um dia de cada vez, fazendo valer o dia. É o que chamamos de presente.

BN — Ele está frequentando escola? Como anda a integração dele?

KC — Sim! Ele está no 6° ano do ensino fundamental numa escola municipal. Vai para as aulas todos os dias de manhã. Ele é totalmente visual. Utiliza a mímica facial para se comunicar com os colegas. Sorriso é permissão. Piscadinha é sim, virar o rosto é não. Se faz entender e transforma em conjunto com seus colegas de sala, o ambiente escolar, com muita força e vontade.

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BN — Como você recebeu o diagnóstico e lidou com a notícia?

KC — Quando meu filho desencadeou uma síndrome raríssima, trabalhava como geógrafa, com licenciamento ambiental. Quando recebi o diagnóstico, foi um soco no estômago: deficiência gravíssima e com óbito a qualquer momento. Morria a mãe perfeita, nascia a mãe possível. Eu abandonei minha profissão, sem pensar e sem remorso. Com o passar do tempo, a tempestade passou. Mas vi que a minha respiração perto dele é que faria a diferença na sua qualidade de vida.

BN — Você percebeu a necessidade de continuar?

KC — Queria trabalhar, sim! E com ele ao lado!  Seria possível? Nós dois como protagonistas da nossa história? Então, criei o Projeto Angel Hair. Hoje, danço com ele em escolas públicas, tenho um livro infantil, dou palestra sobre acessibilidade atitudinal. Uni minha profissão à minha maternidade diferente.

BN — Você também leva seu filho para eventos como corridas. Por que você tomou essa decisão e como ela afeta você e o seu filho?

KC — A corrida nos proporciona sensações únicas em cada momento, desde a inscrição. A montagem do triciclo, a largada, o percurso, a nossa respiração no mesmo ritmo em cada quilômetro. E a chegada é emocionante demais. Tem um gosto de liberdade para nós dois.

BN — Quando vocês começaram a correr?

KC — Em 2012. E cada corrida é única. Ele tinha uma agenda intensa demais de fisioterapias , estava com 5 anos. Ganhei um livro da minha mãe chamado “Devoção” [de Dicky Hoyt e Don Yaeger, editora Nova Conceito], em que um pai fazia triatlo com o filho com paralisia. Fiquei muito tocada. A vontade de celebrar a liberdade da aceitação de sua deficiência foi o convite do vento feito a nós dois ao mesmo tempo. A resposta veio em forma de sorriso e lá fomos nós, rasgar o vento e renascer.

BN — Para onde mais você leva seu filho?

KC — Melhor seria dizer para onde não levo o Pedro. Ele adora tomar sorvete, ir ao cinema. É apaixonado por circo. Quando chega uma à cidade, é o primeiro a me mostrar a propaganda na TV ou outdoor, com gritos eufóricos. Passeamos pelo mundo em danças em escolas, por meio de contação de histórias do meu livro. Palestramos em empresas, universidades, instituições sobre os mais diversos temas: acessibilidade atitudinal, cuidando do cuidador, doenças raras e a necessidade de um centro de referência, a importância do afeto, arte e o esporte da família que tem um raro amor.

BN — Qual a importância de ter seu filho junto nesses eventos?

KC — Um dia, estávamos em casa, deitados na sala. Ele tinha 2 anos. Falei para ele que o mais importante de tudo isso pelo qual passávamos era o amor. Que não sabíamos o que iria acontecer. Mas que eu tinha um amor por ele tão grande e tão forte que seria capaz de dar um grito tão grande que o mundo todo iria ouvir. Ele sorriu muito. Gargalhou mesmo. Esse nosso projeto de humanizar ambientes, falar sobre diversidade humana, nada mais é esse grito de amor meu para ele. Não falo sobre deficiência. É uma leitura da vida. Na hora em que começo uma palestra, uma dança ou uma corrida, damos uma piscadinha um para o outro. É nosso código secreto desse grito. Ele sabe que falo para as pessoas, mas ele ouve e seu corpo se enche de um empoderamento. Ele estica braços. Vocaliza sons, gargalha ao microfone e pensa: minha mãe entendeu tudo… A deficiência se torna tão insignificante frente a tamanha energia que existe em todos nesse instante. Muita partilha e trocas riquíssimas de aprendizados. Se torna um encontro mágico, único e especial. Independentemente das dificuldades do caminho, amamos acender sorrisos. Aquecer corações. Semear sonhos. Incentivar as pessoas a terem fé em si mesmas e despertar milagres.

BN — O que você diria a mães que enfrentam problemas semelhantes ao seu?

KC — Diria “estamos juntas”. Porque, quando passo por uma mãe que tem um filho com deficiência, sempre damos um olhar de cumplicidade e afeto. Um olhar mais demorado. Diria para elas que não se sintam culpadas. Que sejam mais gentis com elas próprias. Que cante e brinque com o seu filho. Ele vai amar a mãe feliz por tê-lo. Empodere e acredite no seu filho, seja qual a deficiência que ele tiver. O mundo vai tratar seu filho da forma como você o trata. E quem não se expoē não se impoē. Não tenha receio ou medo de sair de casa com seu filho.

BN — Você já é bem conhecida em Uberlândia. Ainda existe preconceito ou esse conhecimento reduziu o preconceito?

KC — Existe muita falta de informação também. Se uma pessoa olha com curiosidade e ganha um sorriso, a ponte está criada. Sinto que quem tem preconceitos conosco possui muitas feridas na alma e “deficiências não visíveis”, as mais difíceis. Meu conselho é que possamos ter mais paciência com essas pessoas. Ninguém dá o que não tem.

BN — O que é mais fácil e mais difícil para você sendo mãe?

KC — Mais fácil é acordar e ver que meu filho ainda está vivo. Então, qualquer dificuldade fica leve. E o mais difícil é observar que o mercado de trabalho quer que a gente trabalhe como se não tivesse filhos.

BN — Como você avalia a acessibilidade na cidade?

KC — Muito já foi feito. Mas ainda é um caminho longo. Pensar na cidade sem planejar o conceito universal é apenas cumprir leis sem saber a função delas. Uberlândia ainda tem que avançar muito. Rampas de acesso nas calçadas nos bairros não somente no centro da cidade. Não basta uma frota de ônibus acessível se os motoristas impacientes não param nos pontos. É preciso se conscientizar e sensibilizar os gestores antes de qualquer projeto sair do papel.

BN — Você criou o movimento “Eu respeito as vagas. E você?”. Percebeu alguma mudança?

KC — É um movimento diário, de formiguinha. Um flagrante, uma postagem. Tem muito efeito. As pessoas começaram a prestar mais atenção nas placas nas ruas após as fotos serem publicadas em redes sociais. O movimento também tem como objetivo cobrar ações mais efetivas dos órgãos fiscalizadores. Pois a multa só vai atingir seu objetivo se existir o agente para multar e levar guinchado o veículo. O que é muito difícil para o órgão responsável, já que a justificativa é que não conseguem atender a demanda.

Por isso, acredito no poder do olhar da população. É preciso educar o olhar. E fazer de cada cidadão um multiplicador de atitude de não estacionar nas vagas reservadas para pessoas com deficiência.

BN — Como é o Dia das Mães para você?

KC — Sabe o que sinto? Cada dia que ele acorda e sorri pra mim é o meu Dia das Mães. Sou doula, sou empreendedora, sou corredora, sou geógrafa, sou escritora, sou dançarina. Mas meu melhor projeto é empoderar meus filhos! Isso para mim é ser mãe. Feliz Dia das Mães para todas mães que nunca desistiram de ser mulheres!

BN — Que presente você gostaria de ganhar no Dia da Mães?

KC — Um cafuné dos meus três filhos. Para lembrar que a maternidade é a viagem e o projeto mais audacioso para uma mulher. E inesquecível. E um chocolate para lembrar que a vida pode ser doce. Mas só se for para repartir em três!

Reprodução

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Fonte: Boas Novas, 11 de maio de 2018

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