A Conitec, nome bastante conhecido entre os doentes raros e seus familiares, esteve na berlinda nesta semana, mas não pelas razões mais lisonjeiras.
Se você não sabe o que é Conitec, clique aqui.
Na terça-feira passada (19/10), ela esteve representada na CPI da Covid por Elton da Silva Chaves, membro do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e integrante do plenário da Conitec. Elton estava ali para explicar a razão da demora na divulgação de estudos da Conitec que investigariam a eficácia ou ineficácia do kit covid no tratamento da doença.
Já na quinta-feira (21/10), foi votado relatório que propunha a não-recomendação do uso do “kit Covid” pelo SUS no plenário da Conitec. Na votação, houve um empate técnico, principalmente por causa da posição de integrantes do Ministério da Saúde ao contrariarem parecer do próprio ministério, que demonstra a ineficácia daqueles medicamentos contra a doença.
Ambos os episódios suscitaram na opinião pública a suspeita de que as decisões da Conitec padeceriam de falta de independência, transparência e legitimidade. Esta foi a posição defendida pela senadora Eliziane Gama (Cidadania – MA) na sessão da CPI de terça-feira passada. Na ocasião, ela afirmou que haveria “intervenção política clara” do Ministério da Saúde naquele órgão.
Esta é uma possibilidade não de todo descartada por especialistas que estudam a atuação da Conitec, e nem mesmo por pacientes, familiares e representantes da indústria farmacêutica. O próprio Ministério da Saúde encomendou, em 2019, estudo ao Instituto de Avaliação de Tecnologias em Saúde, visando elaborar o conceito de uma Agência Nacional incumbida de substituir (ou aperfeiçoar) a atual Conitec.
Na justificativa para a elaboração do estudo, aponta-se, entre outras motivações, “a escassez de recursos humanos qualificados e isentos para emissão de pareceres e relatórios”.
De fato, entre os entrevistados pelo estudo, os depoimentos sobre a independência da Conitec não são os mais favoráveis (ver abaixo).
A pesquisa, que envolveu ampla revisão da literatura, oficinas e entrevistas com os principais atores envolvidos na temática, foi resultado de uma carta-acordo firmada entre a Fundação Médica do Rio Grande do Sul e a Organização Pan-americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (documento SCON2019-00355), sob responsabilidade técnica da professora Carísi Anne Polanczyk.
Pela proposta, a futura agência seguiria um modelo de autarquia de regime especial e sua atuação abrangeria o SUS e a saúde suplementar (planos de saúde).
Limitações e/ou pontos de melhoria apontados pelo estudo
(clique na seta do lado direito de cada item para saber mais)
ATS = Avaliações de Tecnologias em Saúde
“Ela [CONITEC] está muito próxima ao MS e quando se fala em tomada de decisão, necessita distanciamento.”
“As decisões de incorporação atualmente, pela falta de transparência, se confundem com decisões políticas. Frágil da perspectiva de participação social.”
“A agência precisa de uma autonomia maior, fora da política. Isso ocorre por estar vinculado diretamente ao Ministério.”
“Aquelas pessoas não foram votadas para estar lá, e não tem conhecimento técnico, será que são qualificadas? Será que deveriam ser qualificadas ou seu papel é simplesmente conferir um checklist?”
“Talvez fosse interessante ter um tempo de mandato, dois anos, quatro anos… Para o plenário estar sempre ‘respirando’, ter novas pessoas, novas ideias.”
“É importante um treinamento [do plenário]. É importante pensar que eles não precisam ser especialistas em ATS, mas os princípios básicos da ATS é importante que se compreenda.”
Importante envolver, por exemplo, academia, sociedades médicas e paciente em todo o processo de elaboração, desde a definição de desfechos à consulta pública
“No Brasil, falta o paciente desde o começo da avaliação de tecnologia. Paciente é envolvido para legitimar a participação social, mas não para consultar.”
“No envolvimento dos pacientes, a gente precisa modificar, não ficar só na consulta pública no formato que ela está. Então tem outras formas qualitativas que podemos envolver o paciente. (…) Definição do melhor desfecho do ponto de vista dos pacientes.”
“Se a ATS é pra ser vista como uma ponte entre a ciência e a tomada de decisão, quem está produzindo a informação deveria estar mais integrado no processo.”
“O trabalho hoje é muito mais reativo do que proativo, no sentido de poder participar do processo de priorização. (…) Há uma necessidade de sistematizar a priorização. Por que a priorização também está reativa (…), e em um momento muito baseada em conflitos de interesse, e muitas vezes em políticas.”
“Muito importante a participação das áreas técnicas do MS tanto no processo de incorporação tecnológica como no processo de elaboração de diretrizes clínicas. É imprescindível. A gente não pode levar uma pauta de uma área técnica sem que ela tenha conhecimento.”
“Monitoramento é falho na implementação. Ainda não avaliamos de maneira correta. Há tentativas para evoluir, mas ainda há muita fragilidade.”
A se confirmarem as alegações de falta de independência, transparência e legitimidade da Conitec, as consequências para os pacientes que demandam medicamentos e outras tecnologias de saúde serão as piores possíveis. Isso para não falar do desvirtuamento total e absoluto dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).