Doenças raras e imprensa pró-governo!

 

Com o presidente da República amargando índices de impopularidade jamais vistos na História do Brasil e as denúncias de falcatruas diárias praticadas por membros do governo e parlamentares, não deixa de ser espantoso constatar a péssima qualidade da cobertura jornalística relativa ao direito à saúde das pessoas que vivem com doenças raras e sobre a judicialização.

Matérias que favorecem o governo, sem pé nem cabeça, sem o mínimo compromisso com a verdade. Os jornalistas, meus coleguinhas, têm até um nome para este tipo de matéria bajulatória, oficialesca e falseadora da verdade: matérias ‘chapa branca’.

Eu, com 35 anos de jornalismo profissional nos costados, não deixo de me surpreender com a incompetência de meus coleguinhas atuais e seu grau de servilismo a um governo tão impopular. De fato, o Ministério da Saúde tem o que comemorar! Tem toda a grande imprensa comprada a seu favor no que se refere à verdadeira história dos doentes raros e sua luta para ter acesso ao medicamento.

Para se ter um exemplo de mau jornalismo, destes que eu costumava apresentar em minhas aulas de jornalismo, como ‘cases’,  nas faculdades da vida, basta pegar matéria recente sobre a judicialização da saúde.  A  matéria é de Mariana Alvim. A BBC já teve repórteres melhores! Vamos aqui desconstrui-la rapidamente, no seu essencial, porque temos mais o que fazer. Extraio trechos da mesma (em negrito) e os comento para vocês a partir de agora.

“Uma das questões é a possibilidade de que a judicialização da saúde reforce a desigualdade entre ricos e pobres no acesso à saúde”

Certamente que a palavra ‘possibilidade’ aqui é meramente decorativa. A intenção do narrador é AFIRMAR que a desigualdade entre ricos e pobres aumentará se os medicamentos órfãos forem obtidos por via judicial. Mera especulação que não se sustenta por achados empíricos, que mereceria pesquisa séria, primeiro da jornalista em questão, e depois de pesquisadores sérios, e não preguiçosos, cheios de ideologia sanitarista. De resto, a desigualdade entre ricos e pobres no acesso à saúde começa com o advento do SUS, quando os planos de saúde foram autorizados a concorrer com o Estado na provisão da saúde.

“A judicialização tem beneficiado relativamente mais pessoas com recursos, espelhando a desigualdade entre ricos e pobres no país”.

Aqui a repórter viajou na maionese, como dizem os jovens. Para sustentar sua argumentação, usa um estudo de Ana Luiza Chieffi, que se deteve na judicialização no estado de São Paulo,  não podendo ter seus achados extrapolados para o resto do país, se quiser praticar a HONESTIDADE INTELECTUAL. De fato, revisão sistemática (que costuma ser um dos mais rigorosos métodos de síntese de evidências cientificas) sobre a judicialização da saúde no Brasil concluiu, entre outros achados,  que se reunirmos todos os estudos sobre judicialização publicados no país “os resultados quanto à renda dos autores das ações não permitem uma conclusão inequívoca”.  Logo, salvo melhores estudos, afirmar que quem judicializa é quem tem grana é mentira da grossa !!!!!

Agora presta atenção, caro leitor, para verificar a má-fé do(a) repórter. Preparado? Vamos lá !

“Dos 12 [doze, minha gente ! doze !] tribunais que forneceram dados referentes aos representantes das ações, quatro [quatro, minha gente! quatro!] apresentaram advogados como protagonistas em mais de 50% das ações”.

Bom, caro leitor, tirando a superioridade estúpida numérica de 12 para quatro, o que o fato de 50% das ações em quatro tribunais serem conduzidos por advogados privados prova, minha gente? Nadica !!!! Não prova nada, a não ser que 50% das ações de quatro tribunais são conduzidos por advogados privados!!!! O resto é pura inferência da repórter , que , como tal, não é científica, é só uma inferência!

O mais hilário é quando o ministro do TCU, Bruno Dantas, lamenta, em tom solene : “Há uma relativa facilidade de acesso à Justiça e uma alta probabilidade de sucesso nas ações judiciais dessa natureza, superior a 80% no Brasil.” 

Aqui eu tive que parar para gargalhar. Pausa para gargalhar.

Oi? Quer dizer que o ministro do TCU lamenta que ainda se tenha justiça neste País? É isso mesmo, produção? Eu li direito? Bruno Dantas quer que vocês todos percam na Justiça e morram, pelo jeito, já que a Conitec incorporou em cinco anos de atuação uns cinco remedinhos especificos para doentes raros ao SUS. Dá uma média de um por ano. Centenas já liberados na Europa; outras centenas nos EUA , estes continentes de quinta categoria em termos de vigilância sanitária.

“O dinheiro inicialmente alocado para a execução da política pública de saúde, dirigido a todos, é redirecionado para atender a demanda individual de quem tem acesso à Justiça”

Aqui vemos um outro ato de má-fé jurídica endossado por repórteres incompetentes, e que tem se tornado uma tendência nos debates sobre judicialização. Como vocês sabem, uma mentira afirmada muitas vezes se transforma em verdade!

Não existe em lugar algum do planeta esta dicotomia entre o individual e o coletivo; entre o “eu” e o “todos”, até porque o “todos” nada mais é que a soma de vários “eus”.  “Saúde como direito de todos” inclui eu , o claudio cordovil aqui, e todos, né não ? Ou só inclui o “todos”, tirando o cordovil ? Acho que não preciso desenhar né não, gente?

Uma coisa que você precisa saber é que dona Clarice Petramale, a toda poderosa ex-diretora da CONITEC, agora está diretamente ligada aos casos de judicialização, representando o governo. Para bom entendedor, meia palavra basta, e aqui não me alongo.

Para finalizar, recomendo a todos a leitura do artigo Características da judicialização do acesso a medicamentos no Brasil: uma revisão sistemática, de Izamara Damasceno Cantanheide e cols.  O curioso aqui é que os autores usam as armas preferidas da CONITEC, para recusar incorporar medicamentos órfãos ao SUS, contra suas argumentações corriqueiras na mídia. Ninguém pode dizer, nem a CONITEC, que falta rigor ao artigo da Izamara, o que torna sua leitura divertidíssima.

Alguns achados dos autores:

  1. “Os [53] estudos revisados não permitem afirmar nem negar que os valores gastos com a compra de medicamentos demandados judicialmente comprometam o orçamento do SUS”.
  2. “Os achados são insuficientes para afirmar que as demandas judiciais, no Brasil, têm como autores indivíduos com um ou outro nível de renda. Em consequência, não se pode afirmar se a judicialização contribui ou não para aprofundar a iniquidade social no acesso a medicamentos.”
  3. “Os 14 estudos que observaram a proporção de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária identificaram que 90,4% dos medicamentos demandados judicialmente possuiam registro na agência reguladora (…) Em suma são poucos os casos de demandas judiciais de medicamentos não registrados oficialmente no Brasil”.
  4. “A demanda judicial de medicamentos pertencentes ao rol da assistência farmacêutica evidencia a existência de problemas gerenciais: falta de medicamentos, barreiras ao acesso, demora na avaliação de solicitações administrativas ou desatualizaçãos dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas.”

Fico por aqui, minha gente! Vocês já perceberam que existe má fé ou desinformação da parte dos jornalistas com relação a suas reivindicações. Está na hora de reagirem com vigor a estas mentiras! Como vocês sabem, o STF e os políticos adoram uma mídiazinha… Dependendo para onde se curva a opinião da mídia nestes casos, para lá irão estes atores sociais.

Se for citar estes achados, informem que tiraram deste blog aqui! É decente e ético citar a fonte! E com isso mais pessoas terão acesso a verdades que aqui publicamos ! 

Eu estou farto! E você?

 

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