Estudo recentemente publicado e assinado por alguns dos mais importantes especialistas em Farmacoeconomia e Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) traz revelações que há muito tempo têm sido apontadas no blog Academia de Pacientes e já são de amplo conhecimento de seus leitores.
Ele reitera, mais uma vez, a necessidade de se contemplar as especificidades dos tratamentos de doenças raras (TDR), quando da realização de ATS em agências voltadas para este fim. No Brasil, tal tarefa cabe à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao SUS (Conitec), mas esta não possui um processo específico de deliberação acerca dos mesmos e que levem em conta suas inúmeras particularidades.
Isto tem gerado debates em solo nacional sobre a legitimidade e a transparência de suas decisões acerca de TDR, com potenciais abalos à credibilidade daquela agência.
Com uma base de evidências caracteristicamente pequena (afinal, doenças raras acometem poucos pacientes) e preço muito elevado, processos convencionais de ATS têm sido problematizados internacionalmente, quando o assunto é TDR.
Agora, esta pesquisa na modalidade “estudo de caso” analisou ATS realizadas em diversos países e os procedimentos adotados para deliberar sobre dois tratamentos medicamentosos contrastantes, empregando-se os seguintes critérios de inclusão no estudo:
- tratamento para doença rara X ultrarrara
- doença afetando crianças X adultos
- doença incapacitante X cursando com risco de vida
Os dois medicamentos selecionados para o estudo foram nusinersena, indicado para o tratamento da atrofia muscular espinhal, e voretigeno neparvovec, indicado para o tratamento da amaurose congênita de Leber. A propósito, no Brasil, ambos possuem registro na Anvisa. A nusinersena foi incorporada ao SUS através da Conitec e o voretigeno neparvovec está sendo objeto de processos consultivos preliminares nesta agência.
Foram analisados relatórios referentes a estes dois tratamentos, oriundos de países como Bélgica, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Noruega, Escócia, Súécia e Estados Unidos.
O estudo verificou que os países com processos diferenciados, separados ou adaptados para deliberação sobre TDRs tinham abordagens mais consistentes para a gestão de questões a eles relacionadas no decorrer do processo de ATS. Por exemplo, no que se refere ao maior envolvimento das partes interessadas e disponibilidade de critérios para abordar as especificidades do mesmo, o que gerou mais transparência na tomada de decisão.
Os resultados sugerem que abordagens específicas, separadas ou adaptadas para a avaliação de TDR podem facilitar uma tomada de decisão mais estruturada e consistente e uma melhor gestão de suas especificidades.
Embora esses TDR prometam melhorar a saúde e a qualidade de vida (QV) dos pacientes, se o fazem ensejam desafios consideráveis para os sistemas nacionais de saúde, no que tange à sua avaliação e incorporação a estes. Eles apresentam invariavelmente uma quantidade substancial de incertezas probatórias (evidentiary) e altos custos.
As incertezas relacionadas à determinação do valor destas TDR decorrem de uma série de desafios caracteristicamente inerentes às doenças raras:
- afetam um pequeno número de pessoas,
- o conhecimento da história natural é frequentemente limitado
- e sua apresentação é heterogênea.
A avaliação dos TDR frequentemente envolve suposições importantes (verdadeiras apostas) sobre a progressão da doença que não podem ser validadas, e sua incorporação a sistemas de saúde só é possível com uma disposição a pagar (WTP) bem superior aos limites tradicionais. Isso levanta a questão de saber se os processos de ATS para TDR não deveriam ser objeto de padrões distintos dos convencionais.
Os autores verificaram que processos suplementares/alternativos de avaliação de TDR possuem uma série de mecanismos / critérios formais, distintos dos processos-padrão, que podem permitir que as especificidades destes tratamentos sejam levadas em consideração no processo de tomada de decisão. Isso inclui, por exemplo, diferentes exigências de evidência para tratamento de doenças raras e ultrarraras, maior tolerância (leniência) em relação à qualidade da evidência e maior aceitação de incertezas, considerações mais abrangentes e um limiar de Disposição a Pagar mais elevado.
O estudo conclui que “esses critérios formais podem ajudar a avaliar com mais precisão o valor e os desafios dos TDR de uma forma mais estruturada e fazer com que as decisões consequentes sejam mais transparentes e consistentes”.
Trechos das decisões flexibilizadas
O artigo traz alguns trechos de decisões que poderiam representar música para os ouvidos para pessoas que vivem com doenças raras no Brasil. Ressalvas que trariam maior justiça e equidade a processos de tomada de decisão envolvendo tecnologias de saúde destinadas a TDR.
Selecionamos alguns destes trechos.
“O comitê estava ciente de que há uma expressiva necessidade não-atendida nessa população porque não há tratamentos específicos disponíveis para essa condição. Ele reconheceu que os resultados dos ensaios clínicos eram incertos devido ao pequeno tamanho da amostra e ao acompanhamento limitado. No entanto, considerou que a evidência mostrou que o voretigene neparvovec melhorou o desempenho visual e foi capaz de prevenir a progressão da doença
Inglaterra, voretigeno neparvovec
Ao avaliar medicamentos para grupos particularmente pequenos de pacientes com doença muito grave, pode-se aceitar uma menor exigência de documentação e um maior uso de recursos comparados a outras medidas
Noruega, voretigeno neparvovec .
As incertezas na documentação e nos resultados apresentados pelo TLV são consideradas muito altas. No entanto, essas incertezas devem ser entendidas com base na raridade da doença
Suécia, voretigeno neparvovec
Alguns pacientes serão capazes de viver mais com uma significativa melhor qualidade de vida.
Noruega, nusinersena
Considerando … seu início sendo logo após o nascimento (formas graves evoluindo rapidamente), ou mais tarde na infância
França, voretigeno neparvovec
O comitê reconheceu a dificuldade de avaliar medicamentos para condições muito raras
Inglaterra, nusinersena