Cláudio Cordovil

Estudo Revela Impacto Negativo de Novos Medicamentos no Sistema de Saúde Inglês

Estudo interessante recentemente publicado na revista The Lancet analisou o impacto na saúde de toda a população de novos medicamentos recomendados pelo NICE (Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados) na Inglaterra entre 2000 e 2020. 

Verificou-se que, no período estudado, o uso de novos medicamentos recomendados pelo NICE gerou 3,75 milhões de anos de vida ajustados pela qualidade (QALYs) para 19,82 milhões de pacientes, a um custo de cerca de 75 bilhões de libras. No entanto, se esses 75 bilhões de libras tivessem sido gastos em outros usos, eles estimaram que o NHS (o SUS britânico) teria gerado 5 milhões de QALYs durante o mesmo período, o que implica que as recomendações do NICE custaram ao NHS — e aos usuários do NHS — 1,25 milhões de QALYs. 

Estudo revela: novos medicamentos aprovados na Inglaterra podem prejudicar mais do que beneficiar a saúde da população como um todo

Trocando em miúdos, o estudo mostrou que recomendar medicamentos de alto custo pode beneficiar alguns pacientes, mas prejudicar outros, ao desviar recursos que poderiam ser empregados em outros tratamentos e serviços destinados à população como um todo. Isso se deve à consideração dos denominados “custos de oportunidade” da saúde, ou seja, os benefícios de saúde que poderiam ser obtidos com um uso alternativo dos recursos financeiros alocados para esses medicamentos. A existência de custos de oportunidade não é propriamente uma novidade. A novidade trazida pelo artigo é colocar na ponta do lápis o quanto se perde em termos de benefícios à saúde entregues para toda a sociedade com a atuação do NICE

Apesar de o estudo não levar em conta o impacto de doenças ultrarraras neste cálculo, ao excluir da análise o programa de Tecnologias Altamente Especializadas do NICE, o recado que o estudo dá às pessoas com doenças raras é inequívoco. Aprovar medicamentos de alto custo pode beneficiar alguns pacientes (como as pessoas que vivem com doenças raras ou câncer) mas prejudicar outros, ao desviar recursos que poderiam ser empregados em outros tratamentos e serviços para a população em geral.

Para o NICE o recado é um puxão de orelha, visto que ele precisa reconsiderar como avalia custo-efetividade de novos medicamentos, de forma a garantir que eles realmente melhorem a saúde geral de toda a população e não somente de grupos especiais, se tanto. 

E como fica a Conitec?

Lendo o artigo publicado na Lancet, inevitável é que não pensemos na atuação da Conitec, que desempenha no Brasil funções similares ao NICE. As implicações para esta entidade do estudo em questão são inúmeras.

Uma pergunta que agora não quer calar é qual o custo da atuação da Conitec para o SUS (cujo mandato é garantir o acesso universal, integral e gratuito à saúde para toda a população brasileira) em termos de benefícios não entregues?

NICE e congêneres (entre elas a Conitec) sempre gostaram de jactar-se de suposta economia que traziam aos cofres públicos ao recomendar apenas tecnologias custoefetivas aos sistemas públicos de saúde. Agora o rei está nu e o que se desvela é o quanto a população em geral deixa de receber em termos de benefícios à saúde com sua atuação. 

O estudo sugere que a análise rigorosa dos custos em relação aos benefícios de saúde é crucial para garantir que os recursos limitados do sistema de saúde sejam utilizados da melhor forma possível para toda a população. Isso deveria levar a uma revisão dos critérios de avaliação e à consideração de diferentes limiares de custo-efetividade pela Conitec

Assim, à luz das conclusões do estudo, a CONITEC deveria considerar a possibilidade de alinhar seus limiares de custo-efetividade com as estimativas de custo-oportunidade da saúde de forma holística, para garantir que os recursos fossem utilizados de maneira a maximizar os benefícios de saúde para a população como um todo, missão que se supõe precípua à Conitec e, por extensão, ao SUS.

O artigo revela outro dado curioso com implicações potenciais para a Conitec. Os limiares de custo-efetividade habitualmente empregados pelo NICE, que variam entre 20 mil libras e 30 mil libras por ano de vida ajustado pela qualidade (QALY), não têm uma base empírica sólida. Não são fundamentados em evidências robustas, ao contrário da estimativa de 15 mil libras por QALY, que é utilizada pelo Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido. Essa estimativa é considerada mais representativa do custo-efetividade dos serviços existentes no NHS.

Acredito que o critério empregado pela Conitec para recomendar novos tratamentos (entre 1 a 3 PIBs per capita, neste caso para doenças raras por QALY) também foi tirado da cartola, não possuindo evidências robustas a lastreá-lo.  

Mas, a julgar pelas revelações do estudo da Lancet, estes valores poderiam estar superestimados, se a meta destes órgãos fosse realmente maximizar os benefícios de saúde para toda a população, e não para grupos específicos. 


Fonte: Population-health impact of new drugs recommended by the National Institute for Health and Care Excellence in England during 2000–20: a retrospective analysis / The Lancet

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Cláudio Cordovil Pesquisador em Saúde Pública
Jornalista profissional. Servidor Público. Pesquisador em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz). Especializado em Doenças Raras, Saúde Pública e Farmacoeconomia . Mestre e Doutor em Comunicação e Cultura (Eco/UFRJ). Prêmio José Reis de Jornalismo Científico concedido pelo CNPq.

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