Cristiano Silveira: Pai do Pedro, 13 anos, que vive com Fibrose Cística

Gostaria de falar da história das associações de pacientes no Brasil e vou me aventurar a contar essa história do lugar onde tenho propriedade para falar, do lugar de pai de uma criança com Fibrose Cística (FC).

Em 2004 foi quando meu filho teve o diagnóstico. Desde esse momento, procurei a associação gaúcha de assistência à mucoviscidose, AGAM onde acabei por participar da diretoria. Em 2010 mudei-me com a família para o Rio de Janeiro, onde conheci a ACAM, então presidida por Bóris Najman que, como grande contribuição, decidiu que a associação seria conduzida por um grupo de funcionárias de serviço social, fisioterapia e nutrição e teria os pais na Diretoria, mas sem atuação na rotina diária da associação.

Foi um grande avanço que junto trouxe e traz também enormes desafios. Manter uma estrutura assim requer muita disciplina e criatividade. Estamos completando 28 anos de muita luta.Nossas associações só passaram a existir com figura jurídica e organicidade a partir da Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”.

Penso que  justamente agora, quando muitas das conquistas daquela época, tal como a Seguridade Social, vem sendo progressivamente devastadas, é que as associações de pacientes, ou, como hoje são mais conhecidas, organizações sociais, se fazem mais relevantes.

Absolutamente nada do que temos no tratamento da Fibrose Cística caiu do céu. Do diagnóstico feito pelo teste do pezinho implantado em 2001 à criação de centros de tratamento e à incorporação das poucas drogas em um protocolo clínico, todas foram conquistadas a duras penas pela ABRAM, presidida por Sérgio Sampaio  e pelas associações estaduais.

direito à saúde

Muito se fala  que os pacientes de doenças raras buscam na justiça tratamentos experimentais, drogas não aprovadas na agência de vigilância sanitária. Isso não é verdade. O que nós buscamos são tratamentos já aprovados lá fora por agências como a FDA e a EMA, não drogas experimentais.

Mas vamos aqui contar uma história que eu ouvi dos pais que me antecederam nas associações por onde passei. Até o final da década de 1980, não havia enzimas digestivas no Brasil.

Para quem não sabe, 75% dos pacientes com FC tem insuficiência pancreática o que quer dizer que o pâncreas deles não produz enzimas necessárias para digestão dos alimentos.

A morte dessas crianças se dava por desnutrição e pelo agravamento das doença respiratória que a desnutrição provocava e isso se dava muito rápido.

Era como se aquelas crianças, em pleno século XX, ainda estivessem sob a maldição conhecida na Alemanha como “bruxaria”. Por lá dizia-se que uma criança que, ao ser beijada na testa, fosse salgada, estava enfeitiçada e morreria.

Pois alguns pais e mães inconformados com essa ‘maldição’ e em uma época pré-internet, foram com seus filhos para fora do país e conheceram tratamentos já usados por lá. Chegando aqui, falaram para seus médicos sobre um negócio chamado “pancreolipase” que estava fazendo os bebês absorverem o que comiam.

Qual não foi o desespero desses pais ao notar o ceticismo dos médicos: “Isso é coisa de primeiro mundo, não é pra nossa realidade” e lá foram alguns desses pais contrabandear enzimas vindas da Argentina e essa mobilização foi, sem dúvida, a semente da formação dos grupos de pacientes.

Após séculos sendo descrita como uma maldição pelo folclore europeu, após 70 anos de ser caracterizada por patologistas e 28 anos depois de ter seu gene descoberto por ninguém menos do que o Dr. Francis Collins, finalmente está disponível, no mercado, um medicamento que atua na causa genética da Fibrose Cística e não apenas em seus sintomas.

Então, não há força no mundo que fará pais e mães dessas crianças e jovens desistirem de lutar por esses tratamentos. Drogas essas, por sinal, desenvolvidas com recursos angariados pelas associações de pacientes que lá fora se dedicam muito ao financiamento de pesquisas científicas.

5 comentários em “Cristiano Silveira: Pai do Pedro, 13 anos, que vive com Fibrose Cística”

  1. Cristiano, obrigada por seu depoimento! O seu relato representa a experiência de muitas associações e familiares na luta pelo direito à vida e ao tratamento! Essa luta é de todos e todas nós!

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