A partir de hoje, eu reduzirei substancialmente o uso de Inteligência Artificial (IA) no blog Academia de Pacientes. Ela seguirá sendo empregada apenas em atividades de pesquisa jornalística e em tarefas rotineiras nas quais a automação realmente agrega celeridade. Também será empregada nos resumos de notícias que você já se acostumou a ver no início de cada post. Para isso, criei um selo que identificará os textos redigidos integralmente sem intervenção de IA.

Texto escrito sem inteligência artificial
Por que tomo esta decisão? Porque observo, com crescente preocupação, movimentos no campo das doenças raras que indicam a formação de arranjos pouco transparentes, com potencial de afetar a formulação de políticas públicas no Sistema Único de Saúde (SUS). Em alguns estados, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) com relações que suscitam questionamentos legítimos sobre independência e governança vêm sendo alçadas à condição de serviços de referência em doenças raras do SUS. Essa sobreposição de interesses, já discutida por diversos pesquisadores e especialistas em governança sanitária, merece escrutínio público — e aprofundarei esse debate em texto específico.
Esse cenário se desenvolve sob uma postura que, a meu ver, tem sido complacente por parte de setores do Ministério da Saúde, associada à atuação de agentes públicos que parecem dispostos a transformar a política de doenças raras em um ambiente propenso à mercantilização. A prevenção — eixo estruturante de qualquer política séria nessa área — perdeu espaço. O país passou a priorizar terapias avançadas que, mesmo sendo inovadoras, beneficiarão uma fração minoritária dos pacientes e com efeitos ainda desconhecidos, especialmente a médio e longo prazos, segundo estimativas amplamente reconhecidas na literatura. Hoje, é mais simples obter uma terapia gênica para Atrofia Muscular Espinhal pelo SUS do que agendar fisioterapia regular. A reabilitação, outro componente fundamental, foi relegada a segundo plano.
Nesse processo, celebram-se convênios entre OSCs que apresentam dependência financeira significativa da indústria farmacêutica (informação disponível em relatórios públicos) e instituições de saúde de prestígio internacional. Essas instituições, historicamente mais prudentes em relação a potenciais conflitos de interesse, agora parecem aceitar esse tipo de arranjo com menor resistência. É nesse ponto que a lembrança de Sérgio Arouca, símbolo da Reforma Sanitária, se torna inevitável.
Agora, uma nota pessoal. Sou jornalista profissional de formação, especializado em Ciência e Saúde. Passei por algumas das principais redações do país — percurso reconhecido com o Prêmio José Reis de Jornalismo Científico (CNPq) , antes de ingressar na Fundação Oswaldo Cruz, em 2015, como servidor público e pesquisador em Comunicação e Saúde. Trago comigo a tradição de uma linhagem de jornalistas comprometidos com a Constituição, a liberdade de imprensa e a defesa intransigente da informação qualificada.
Nos últimos anos, colegas minhas e meus, no Brasil e internacionalmente, têm se mobilizado diante da ascensão da extrema direita e da intensificação de práticas de desinformação. Nesse ambiente, jornalistas passaram a ser alvos frequentes de estratégias como lawfare e assédio judicial, fenômenos já amplamente descritos na literatura jurídica e na pesquisa em comunicação. No campo das doenças raras, há OSCs que mantêm relações públicas com figuras políticas desse espectro ideológico. E, em alguns episódios documentados, atores desse ecossistema têm recorrido a ações judiciais intimidadoras contra jornalistas, pesquisadores e até outras organizações da sociedade civil.
A jurisprudência nacional e internacional é clara: a liberdade de imprensa, expressão e informação é essencial para a manutenção da democracia. Por isso, qualquer tentativa de restringir ou intimidar minha atuação neste blog (que há mais de oito anos opera de forma independente) será denunciada aos fóruns e entidades dedicados à proteção da imprensa , dos direitos democráticos e da democracia sanitária. Pressionar jornalistas e servidores públicos, no exercício de suas funções republicanas, costuma resultar em impacto reputacional significativo, especialmente em áreas em que transparência e ética são valores estruturantes.
Diante desse contexto, reafirmo: reduzir o uso de IA é um gesto político e editorial. É uma forma de reforçar a importância da voz humana, da apuração cuidadosa e da responsabilização individual pela palavra publicada. A democracia (e o SUS em particular) enfrenta desafios que exigem o empenho direto de jornalistas. A atual priorização quase fetichizada das terapias avançadas pode estar se tornando um novo vetor de captura do Estado por interesses privados. Um verdadeiro cavalo de Troia.
O papel do jornalismo é iluminar esses movimentos. E é isso que continuarei a fazer.

Nota Editorial: Esta publicação reflete exclusivamente a interpretação e a opinião fundamentada do autor, jornalista e pesquisador, com base em informações públicas, documentos oficiais, literatura científica e discussões amplamente estabelecidas no campo da saúde pública e da comunicação. O texto não realiza acusações pessoais, não atribui irregularidades a indivíduos ou entidades específicas e não substitui o papel de órgãos de controle. O propósito é contribuir para o debate democrático, a transparência e o escrutínio público de políticas e práticas relacionadas à saúde e ao interesse coletivo.

