Um guia para reconhecer discursos manipuladores em momentos de crise institucional
Talvez você não saiba, mas sempre fui fascinado pelas nuances da comunicação — especialmente a institucional.
Fake news, boatos, rumores, psicologia social… tudo isso aguça meus instintos investigativos desde sempre.
Costumo dizer, parafraseando Terêncio, que nada do que é humano me é estranho. Isso porque toda a minha formação educacional e profissional se deu no campo dos Estudos da Comunicação, em seu amplo espectro. O que me converte em leitor arguto de corações, mentes e intencionalidades.
Sou jornalista profissional, com passagens por grandes redações e prêmios como o José Reis de Jornalismo Científico, concedido pelo CNPq. Mestre e doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, pós-doutor pela Fiocruz em Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Concilio, assim, as vertentes práticas e teóricas da Comunicação com alguma proficiência.
A comunicação institucional, por exemplo, é um campo que me acompanha desde os 26 anos, quando atuei como gerente de publicações em uma companhia de petróleo no ano da Constituinte, 1988. Ali mergulhei no fascinante mundo da gestão de crises reputacionais.
Se você administra uma ONG ou mesmo um negócio, hoje vai aprender um pouco mais sobre o que NÃO fazer em termos comunicacionais com sua ONG, empresa ou associação de pacientes. Você certamente não quer parecer amador na lida com as questões comunicacionais.
Tem-se notado que certas respostas institucionais a situações desconfortáveis seguem um padrão previsível — estudado por especialistas em comunicação, psicologia social e cultura organizacional. Trata-se da tática NARVO.
🧩 O que é a tática NARVO?
O acrônimo NARVO (em inglês, DARVO) descreve um conjunto de manobras discursivas que costumam ser acionadas por indivíduos ou instituições quando se sentem colocados em posição delicada diante da opinião pública.
NARVO foi originalmente concebido pela psicóloga e pesquisadora norte-americana Jennifer J. Freyd em 1997, em seus estudos sobre abuso interpessoal e dinâmica de poder, especialmente em contextos de abuso de confiança e violência de gênero. Jennifer descreveu esse padrão em um artigo sobre “violações do poder, cegueira adaptativa e teoria do trauma de traição”, destacando como essa estratégia serve para manipular a percepção pública e proteger o agressor de consequências sociais ou legais.
Em outra dimensão analítica, atualmente, pululam na internet vídeos explicando a relação entre NARVO e a personalidade narcisista. Se tiver curiosidade, coloque estas palavras em sua busca no Google.
Isto porque indivíduos com traços narcisistas ou transtorno de personalidade narcisista frequentemente utilizam a tática NARVO para evitar prestar contas de seus comportamentos abusivos no campo interpessoal. Ao serem confrontados, eles tendem a:
- Negar qualquer irregularidade ou abuso.
- Atacar a credibilidade, caráter ou motivos de quem os confronta.
- Inverter os papéis, apresentando-se como vítimas e acusando o verdadeiro ofendido de ser o agressor.
Esse padrão serve para proteger o ego do narcisista, manter sua autoimagem idealizada e preservar sua sensação de controle e superioridade. A estratégia é altamente eficaz para desviar a atenção de suas ações e minar a confiança da vítima em sua própria percepção dos fatos.
Agora voltemos à aplicação de NARVO no campo da comunicação institucional.
Em vez de ser uma abertura ao diálogo transparente, costuma seguir uma sequência de movimentos retóricos orientados ao redirecionamento da narrativa.
Embora o conceito tenha surgido no contexto de relações interpessoais e abuso, como vimos mais acima, com o tempo, pesquisadores e profissionais passaram a identificar padrões semelhantes em comunicações institucionais e corporativas. Em situações de crise, denúncias internas ou escândalos, empresas ou representantes podem adotar estratégias semelhantes ao NARVO na tentativa de proteger a imagem da organização. Mas é claro que, nestes casos, a manobra acaba tendo o efeito contrário.
✅ Leitura clássica do NARVO:
- N – Negação
- A – Ataque
- R – Reversão da vítima e do ofensor.
📚 Leitura expandida:
- N – Negação
- A – Ataque
- R – Reversão
- V – Vitimização
- O – Ofensa
Essa formulação permite compreender como certos discursos evitam lidar com a substância de temas delicados e, em vez disso, adotam uma postura reativa que desvia o foco da questão central.
🔍 Como esse padrão se manifesta?
Essas são as principais etapas observadas:
- Negação de fatos relevantes ou omissão de elementos fundamentais.
- Ataques simbólicos a terceiros, ainda que de forma sutil, buscando desacreditar vozes que tensionam o espaço público.
- Reversão simbólica de papéis, em que alguém se posiciona como injustamente visado.
- Vitimização retórica, com apelo à emoção coletiva.
- Ofensa disfarçada, que pode se apresentar por meio de ironias, sugestões ou tentativas de desqualificação indireta.
🧠 Por que isso é importante?
Esse tipo de retórica tem sido observado em diferentes contextos públicos nos últimos anos, principalmente em situações marcadas por:
- resistência à exposição de processos decisórios;
- expectativas não cumpridas em ações de interesse social;
- tentativas de recentrar o debate institucional em termos emocionais, e não substantivos.
Ainda que apresentadas com aparência de equilíbrio e polidez, algumas manifestações públicas NARVO operam mais como instrumentos de contenção narrativa do que como convites à prestação de contas.
🛡️ Como identificar e reagir?
Mesmo sem formação técnica, você pode reconhecer elementos da dinâmica NARVO no campo informacional. Fique atento a manifestações que:
- desviam o foco de questões públicas legítimas e recentram o discurso em apelos emocionais;
- adotam retórica de autopreservação simbólica sem prestar contas de maneira concreta;
- respondem com indignação retórica, em vez de dados verificáveis e esclarecimentos substantivos.
Trata-se, frequentemente, de uma tentativa de converter tensões legítimas em disputas simbólicas de autoridade ou reputação. E, em democracias, isso merece atenção crítica.
🌱 Concluindo
Este é um conteúdo formativo, voltado ao fortalecimento da leitura crítica de discursos públicos em ambientes marcados por tensões e disputas simbólicas. Ao reconhecer certos padrões de comunicação, ampliamos nossa capacidade de compreender o que está (ou não está) sendo dito — e por que isso importa.
Em tempos de ruído e teatralidade, clareza e responsabilidade comunicacional são bens públicos — e precisam ser cultivados por todos.
Hoje, você aprendeu como NÃO fazer comunicação institucional.
Voltaremos ao fascinante mundo da psicologia social e da comunicação em breve.
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